novembro | 2020 | Produção e Política Cultural

Diretora referência do cinema soviético é tema do novo texto da professora Carla Rabelo na Revista Exibidor

Kira Muratova, 86 anos

 

“Nos tempos soviéticos, depois de O Longo Adeus (1971), ficou claro que qualquer filme que eu fizesse seria censurado. E comecei a sonhar …” (Kira Muratova, 2016 – tradução nossa)*.

 

A cineasta ucraniana Kira Heorhiyivna Muratova faria 86 anos no dia 5 de novembro de 2020. Diretora importante do cinema soviético deixou um legado fílmico experimental sobre sujeitos em contextos socioculturais distantes, assim como seus filmes que só recentemente povoam algumas pesquisas, mostras dedicadas às mulheres e festivais pelo mundo. Sua cinematografia percorre tensões humanas, elementos culturais pitorescos com personagens imperfeitos, sem convenções, e isso denota um pouco do seu estilo que é completamente difícil de ser encaixado em quaisquer rotulações.

 

Kira Muratova teve pai russo e mãe romena judia, ambos membros ativos do Partido Comunista. O pai integrou o movimento guerrilheiro antifascista na Segunda Guerra Mundial, mas foi preso pelas forças romenas e baleado após interrogatório**. Fatos que, dentre outros, provavelmente incidiram na criação artística da diretora ou mesmo em suas posturas de vida. Entretanto, o patrulhamento ideológico foi implacável com a cineasta que chegou a ser classificada como não confiável politicamente e teve alguns de seus filmes censurados (Breves Encontros, 1967; O Longo Adeus, 1971)  por não estarem em consonância com os cânones estéticos do realismo socialista***.

 

A obra da diretora opera como referência robusta do cinema russo contemporâneo porque nunca se furtou em testar limites narrativos e também tecer análises humanas sobre o que via, vivia. Seu filme mais consagrado foi o elucidativo Síndrome Astênica (1989) que chegou ao Festival de Berlim conquistando o Urso de Prata e brindando novos olhares e críticas sobre sua obra. O filme, proibido durante a perestroika (reconstrução) e logo liberado, apresenta as tensões da vida numa colapsada União Soviética. Segundo a própria cineasta, este filme é sua única obra de cunho sociopolítico e por isso costumam chamá-la de cineasta corajosa. “Costumam dizer que sou uma diretora muito corajosa e honesta. O que diabos a bravura tem a ver com isso? Só quero fazer filmes: de uma forma interessante, de uma forma difícil, diferente, à minha maneira ou mesmo de uma forma simples. Chame isso de honestidade, se quiser. Mas então eu não entendo o que é desonestidade” (Kira Muratova, 2016 – tradução nossa)*.

 

Um cinema “honesto” como o de Kira Muratova, que inclusive recebeu mais de 15 prêmios internacionais, merece destaque pela observância que ela deixa sobre os sujeitos, o incomum presente nos seres humanos, suas estranhezas. As tramas desafiam olhares e escutas, provocam pelo menos um desconforto, e muitas vezes angústia. Em relações profundas com a psicanálise e a filosofia existencial, Kira nos provoca que olhemos para dentro de nós mesmos em fricção com o mundo, e enquanto componentes dessa humanidade (in)capaz de tudo. Ela nos leva a questionar o sentido da vida e sua estreita relação com a dor, com a finitude, e a morte.

 

Outro lado implacável e áspero da vida da cineasta foi a dificuldade em produzir seus filmes, em fazê-los circular (distribuição e exibição), o que ressaltou a amargura e certo desencanto no final de sua vida: “Eu não faço filmes agora, eu renunciei a filmar. É assim que eu chamo – eu renunciei. Eu disse que não faria mais filmes, não só por razões de saúde. Eu acho que algo rompeu em mim, algo acabou, eu não quero mais e não gosto de muitas coisas. Coisas que sempre detestei – todas as coisas que acompanham o cinema, que nada têm a ver com a minha profissão, mas que continuam presentes nesta indústria, como a chamam hoje. E mesmo quando não era chamado de indústria, quando era chamado de arte, isso ainda estava lá. Eu agüentei tudo isso, coloquei de lado, gostava tanto de fazer que fingia não ver todas as coisas nojentas que achava nisso. Porque esse amor era mais forte. E agora está terminado. Eu não quero mais nada. Em suma, é normal. É normal” (Kira Muratova, 2016 – tradução nossa)*.

 

Assistir a qualquer filme da diretora Kira Muratova é observar esse amor forte e sua honestidade singular, é também ampliar o repertório fílmico para um lugar difícil, desconcertante e desafiador. Seguem alguns de seus filmes: Breves Encontros (1967), O Longo Adeus (1971), Conhecendo o Grande e Vasto Mundo (1978), Mudança de Destino” (1987), Síndrome Astênica (1989) e Três Histórias (1997), Motivos Tchekhovianos (2002), Dois em um (2007).

 

* Tradução de trechos de entrevista extraída do East European Film Bulletin (entrevista em russo à Alexey Artamonov, traduzida ao inglês por Daniil Lebedev – “Interview with Kira Muratova – 2016”).

** Informações disponíveis em: The Guardian.

*** Informações disponíveis em: Ilustrada/Folha de São Paulo.

Referência Bibliográfica/como citar: RABELO, Carla. KIRA MURATOVA, 86 ANOS. Revista Exibidor, São Paulo: novembro/2020. Disponível em: <https://www.exibidor.com.br/artigo/227-kira-muratova-86-anos> Disponível completo em: <http://cursos.unipampa.edu.br/cursos/cultura/> Acesso: 23/11/2020.

OBS: o acesso aos artigos da Revista Exibidor é restrito a assinantes, por isso compartilhamos este artigo aqui na íntegra, sem restrições.

Lançamento Galeria Intercultural Magliani (GIM) Digital no dia 20 de novembro

O Projeto GIM Digital surge da necessidade de registrar e de compartilhar as ações realizadas na Galeria Intercultural Magliani (GIM) em seus três anos de existência e resistência.


Nesse primeiro momento, a proposta do trabalho é de desenvolver uma identidade digital, através da construção e da consolidação do site e das páginas em redes sociais, para uma melhor comunicação das atividades realizadas e potencialização deste espaço, inserido dentro da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA Campus Jaguarão.
Convidamos todos e todas a participarem deste momento único e de celebração dos 3 anos de fundação da Galeria Intercultural Magliani.
Dia 20 de Novembro às 14h.
LINK DE INSCRIÇÃO: https://forms.gle/UC5yZHDipF3mMdUG9

Profa Drª Sátira Pereira Machado participa da mesa “Escravidão, negritude, literatura e resistência” com a apresentação “Oliveira Silveira: o poeta da consciência negra brasileira”.

As Conferências da ABRALIC acontecem esta semana, de 17 a 19 de novembro , com acesso gratuito.

Basta inscrever-se na plataforma. O link é: https://app.virtualieventos.com.br/ABRALIC2020

A programação está no site da Associação Brasileira de Literatura Comparada: www.abralic.org.br

Aproveitem! ?

Palestra sobre Comunicação de Risco no Rio Grande do Sul

Nesta quinta-feira, dia 12 de novembro de 2020, às 14h, a professora do bacharelado em Produção e Política Cultural, Carla Rabelo, fará palestra sobre “Comunicação de Risco” para um grupo de servidores públicos da Divisão de Vigilância Ambiental em Saúde (DVAS) do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS/RS).
O convite se deu devido à sua formação e às suas pesquisas de Doutorado e Mestrado desenvolvidas no PPGCOM/ECA/USP que envolveram o campo teórico do Risco tanto numa perspectiva sociológica (doutorado) quanto da psicologia social (mestrado) em diálogo com os campos da Comunicação e do Audiovisual.
(foto de divulgação da atividade)

Professora Drª Sátira Machado participa na UFRGS do evento “Grupo Cultural Palmares: 50 anos de contribuições”.

Na próxima quarta-feira (11), às 19h, será realizado o encontro virtual Grupo Cultural Palmares: 50 anos de contribuições. A live faz parte da programação do Novembro Negro na UFRGS. O evento contará com a participação de pesquisadores e intelectuais que construíram a história de uma das principais organizações do Movimento Negro brasileiro.

Responsável pela criação do 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, e por algumas das principais conquistas da população brasileira, o Grupo Cultural Palmares completará 50 anos em 2021. Criado em Porto Alegre, em julho de 1971, tinha o objetivo inicial de revisar a história do Brasil a partir de referenciais negros. Logo propôs o 20 de Novembro como data alternativa ao 13 de maio, e passou a construir trajetória fundamental na defesa das principais conquistas da população negra.

A partir da memória e da experiência dos/as fundadores/as e pesquisadores/as, o evento visa refletir sobre as contribuições do Grupo Palmares para a nossa sociedade e estimular novas pesquisas sobre o seu legado.

Convidado(a)s:

Antônio Carlos Côrtes (advogado)

Deivison Moacir Cezar de Campos (ULBRA)

Maria Conceição Lopes Fontoura (UFRGS)

Vera Daisy Barcellos (Sindicato dos Jornalistas/RS)

Mediação – Sátira Machado (UNIPAMPA)

O encontro virtual será transmitido pelo Facebook do DEDS.

Confira a programação completa do Novembro Negro na UFRGS no seguinte link: https://www.ufrgs.br/novembronegro/

Conectando Saberes na Música

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O Conectando Saberes continua, Dia 13/11/2020, sexta-feira, às 17h00 o PET-PPC  traz para o debate a temática Música. A atividade contará com três convidados incríveis, que vocês podem conhecer um pouco mais ao deslizar a imagem para o lado. O link de inscrição no evento  está disponível na bio aqui do nosso perfil e no nosso facebook. A atividade oferecerá atestado de participação. Contamos com a sua presença!
#PraTodosVerem Arte digital rosa e roxa contendo as escritas “Conectando Saberes na Música” a data e horário do evento 13/11/2020 às 17h e as fotos, em cima a Mediadora da mesa Maria Carolina, seguida dos participantes, Chrisco, Qabrieu e Pérola Negra.
PET Produção e Política Cultural
Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA/Jaguarão (RS)

Democratização e acesso ao cinema latino-americano é tema de novo artigo da Profª Drª Carla Rabelo na Revista Exibidor

Cinema da América Latina em novas plataformas de streaming

Desde os anos 30, mas principalmente nos anos 60, o cinema produzido na América Latina se conformou como uma cinematografia de produção expressiva e constante especialmente em países como México, Argentina e Brasil. As histórias políticas dos países latino-americanos foram substrato para boa parte dos filmes de ficção e documentários cruciais para entender contextos sociais e também acompanhar experimentações estético-narrativas de seus realizadores e suas realizadoras. Embora seja um cinema marcado pelo político e militante, há propostas que buscam outras histórias e exploram outras nuances do que pode ser considerado como América Latina para além de estereótipos. Os festivais e mostras de cinema demonstram essa riqueza e abrangência. Todavia, os filmes latino-americanos continuam com dificuldades comerciais de distribuição e exibição tanto por desigualdades de mercado quanto por ausência de políticas cinematográficas robustas em seus países. Por outro lado, observa-se que produtoras têm buscado caminhos para visibilizar essa cinematografia e apresentar sua amplitude muitas vezes desconhecida dentro de seus países e de seus vizinhos.

 

A pandemia provocou maior disponibilidade de filmes em plataformas de streaming e o cinema latino-americano tem protagonizado ações de democratização do acesso e aumento de público nesse momento de quarentena. A proposta de produtoras e cineastas em deixar seus filmes disponíveis se espalhou no Vimeo e Youtube, mas também em novas plataformas como: CholoFlix (Equador), BoliviaCine (Bolívia), CineCo/Plus (Colômbia), CR Films (Costa Rica), Centro Arte Alameda TV (Chile), OndaMedia (Chile), Cine.AR (Argentina), Sala de Cine Virtual/Puentes de Cine (Argentina), Play Piano (México), Cineaparte (Peru), Tondero/Netzun (Peru), Televisión on demand Play (Venezuela) e, a mais conhecida, Retina Latina que concentra um vasto catálogo de países como Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Uruguai e México (cf. LatAm Cinema).

 

Essas iniciativas facilitam o acesso a produções de países que não costumam circular com facilidade. Felizmente, com essas plataformas, tornam-se mais factíveis a visibilização e o conhecimento sobre a diversidade do cinema latino-americano, mesmo num contexto de alta necessidade de regulação do VOD para minimizar as assimetrias no campo da produção audiovisual. A partir do momento em que os públicos conhecem as matizes plurais desse cinema, torna-se mais possível o interesse em assistir a mais filmes produzidos na ‘região’ num contraponto à hegemonia estadunidense tanto nas salas de cinema quanto nas plataformas de streaming industriais (Netflix, Amazon Prime Video, Telecine, Hulu, Apple TV+, Disney+, Paramount+, entre outras). Desse modo, observa-se um circuito novo e alternativo de produção e exibição, e também independentes, para além de narrativas blockbusters homogeneizantes provenientes das majors. 

 

No descompasso histórico ainda marcado pela alta produção e o baixo volume de distribuição/exibição/acesso dessa cinematografia, essas iniciativas de novas plataformas de streaming merecem divulgação, maior investimento e mais espectadores cinéfilos ávidos por diversidade.

*Referência Bibliográfica/como citar: RABELO, Carla. Cinema da América Latina em novas plataformas de streaming. Revista Exibidor, São Paulo: out/2020. Disponível em: <https://www.exibidor.com.br/artigo/207-cinema-da-america-latina-em-novas-plataformas-de-streaming> Disponível completo em: <http://cursos.unipampa.edu.br/cursos/cultura/> Acesso: 20/10/2020.