Presença de alunos vindos de outros Estados cresce em instituições de Ensino Superior gaúchas
05/04/2014 | 17h01
Após quatro anos de implantação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) em quatro universidades gaúchas, já é possível sentir mudanças no perfil das classes. Catarinenses e paranaenses vêm dando lugar a paulistas e mineiros, e o número de alunos de fora do Rio Grande do Sul mais do que triplicou nas instituições que usam o sistema.
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Nas universidades federais de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), de Pelotas (UFPel) e de Rio Grande (Furg), os gaúchos representavam 96% dos calouros em 2009, quando cada uma realizava seu próprio vestibular. Em 2013, o índice já havia caído para 87,7%. O número de novatos de fora do Rio Grande do Sul saltou de 253 para 851 no período, passando de 4% para 12,3%. Outra instituição a adotar o Sisu, a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) não tem os números de 2009. Hoje, 18% dos seus estudantes já são de fora do Estado.
As universidades que adotaram parcialmente o sistema, caso do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), ou não adotaram, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mantêm a média de 4% de estudantes de fora.
Para especialistas, a diferença é óbvia: há menos mobilidade nas que seguem com vestibular, o que exige a presença física do candidato. Já pelo Sisu, o estudante pode fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em qualquer parte do país e, para se inscrever no sistema, só precisa acessar a internet. Por isso, se antes a maioria dos alunos de fora vinha dos vizinhos Paraná e Santa Catarina, agora, os líderes e vice-líderes são os paulistas e mineiros, respectivamente.
— Minas e São Paulo têm maior qualidade de ensino, os melhores indicadores. Então, os alunos que não passam na sua região conseguem vagas em outros Estados — comenta a doutora em educação da Universidade Federal de Mato Grosso, Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso.
Foi o caso de Bruno Maon Fernandes. Natural de Campinas (SP), ele teve pontuação acima da média e garantiu a vaga no curso de Meteorologia da UFPel.
— Não achei difícil passar, e aqui era o único local onde havia o curso que queria — afirma o estudante do 8º semestre.
Independentemente da origem dos alunos, o doutor em políticas públicas e formação humana Roberto Vianna considera a mistura de culturas benéfica:
— A vinda de estudantes de outros lugares traz consigo o atendimento ao objetivo de democratizar o acesso.
Mas também há desvantagens. Uma delas, segundo o doutor em educação Ridalvo Medeiros Alves de Oliveira, é o custo adicional na parte de assistência estudantil. Como o aluno não tem residência na região, muitas vezes fica por conta da universidade fornecer moradia e alimentação. Para comportar novos alunos, a Fundação Universidade Federal do Rio Grande criou 190 vagas em casas de estudante. Mas o reflexo no bolso nem sempre é negativo, pois o Sisu faz com que as universidades economizem com o vestibular.
— É caro fazer uma seleção, mas algumas universidades não abrem mão porque estão seguras com os seus métodos. Isso é bom porque a educação não é tão precisa para ter um único paradigma de avaliação — avalia o doutor em educação, Rodrigo Travitzki Teixeira de Oliveira.
A cosmopolita Jaguarão
Encravada na fronteira do Brasil com Uruguai, Jaguarão era acostumada com turistas de passagem, ávidos por compras nos free shops do outro lado da ponte. Hoje, a cidade de 28 mil habitantes não só mescla sotaques castelhanos, como de todas as partes do país. A mudança começou em 2010, quando a Unipampa aderiu ao Sisu.
A comida
Em Belém, Nathália Peres estava cansada da vida, do calor, de tudo. Viu no Enem a chance da mudança. Com a pontuação, onde chegaria mais longe? Cruzou o país e veio para Jaguarão cursar Letras. Adorou o frio, as pessoas e as aulas, mas a comida…
— Muito sem tempero — critica, de cara feia.
Começou a cozinhar para si. Um ano depois, sua prima Camilla Farias veio estudar Pedagogia. No Sul, Camilla decidiu vender “chope”, que, na gíria amazônica não é cerveja, mas sim sacolé. No Carnaval de rua de Jaguarão, fez sucesso em uma barraquinha com um drinque de polpa de frutas do Norte, leite condensado, vodka e pó de guaraná. Também caiu no gosto popular uma batida de guaraná amazônico que dava energia.
— O pessoal gostou tanto que resolvemos abrir uma lancheria que tivesse tudo isso. Hoje, temos suco de acerola, cupuaçu, graviola, taperebá (cajá) e açaí — enumera.
A moradia
Quando os filhos de Marlene Chagas, 59 anos, foram embora, ela e o marido se viram sozinhos em uma casa com três quartos extras. Era o primeiro ano do Sisu, e só se falava que “os pobres dos estudantes não conseguem lugar para ficar”, conta ela. A universidade não tem casa de estudante, os aluguéis dispararam com a chegada dos novatos, e muitos não conseguiam comprovar renda para alugar — 50% dos alunos são cotistas. Só os mais endinheirados alojaram-se em pousadas, antigas e novas, que surgiram para receber estudantes.
Marlene pôs um anúncio no Facebook e, em pouco tempo, a casa se encheu de jovens. Desde então, ela já hospedou mais de 20 pessoas, a maioria de São Paulo, mas também catarinenses, paraenses, cariocas e até gaúchos. Empolgada com a efervescência universitária, ela própria decidiu entrar na faculdade. Hoje, cursa Letras.
A cultura
Os “estrangeiros” expandiram o horizonte cultural de Jaguarão. Reunidos em coletivos, eles criaram propostas para a cidade.
— Antes, era tudo voltado para o tradicionalismo. Ter gente de fora se importando com pautas diferentes mostra para a população que os outros assuntos também são importantes — diz a estudante de Pedagogia e professora de dança de rua, Dania Avila.
Um exemplo é a paulista Luma Reis. Ela se aproximou do Clube Social 24 de Agosto, que desde 1918 trabalha com a preservação da cultura negra. No local, os alunos dão aulas gratuitas de capoeira, teatro e dança de rua para a comunidade. Após reunir ideias com os envolvidos, Luma e cinco colegas escreveram um projeto para captar verba junto ao Estado. Hoje, ela faz planos para a primeira parcela dos R$ 180 mil:
— Vamos comprar novos equipamentos, reformar o palco e a cozinha.
O preconceito
Também é para combater o preconceito que coletivos têm se juntado na cidade. O coletivo Margaridas, formado por mulheres, muitas de fora do Estado, fala sobre feminismo e combate à agressão doméstica por meio de palestras e aulas em escolas.
O estudante Bruno Cesar Alves Marcelino, de São Paulo, preside o Instituto Conexão Sociocultural. Primeiro coletivo a se institucionalizar, o grupo promoveu uma semana da diversidade sexual com palestras e culminando na primeira parada de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) de Jaguarão. O apoio foi tão grande que a Câmara de Vereadores aprovou um projeto de lei que coloca o evento no calendário oficial.
— Nunca em protestos conseguimos reunir mais de 50 pessoas. Na parada, foram 200. Para uma cidade de 28 mil, é muito — diz Marcelino, que assegura não ter havido qualquer discriminação durante o ato.
O mapa do tesouro
No primeiro semestre de Design Gráfico da Universidade Federal de Pelotas, Geórgea Nassif Zilli ficou perdida. Não com o conteúdo, mas com a cidade, nova para a catarinense. No segundo semestre, ela conheceu uma pelotense que virou sua amiga e ajudou com sugestões de lugares e costumes:
— E aí, consegui me localizar, mas fiquei com muita pena de todo mundo que não tinha uma Tamires (nome da amiga).
Mais tarde, em um intercâmbio pela Europa, Geórgea conheceu mapas feitos por jovens e distribuídos para colegas, com o objetivo de orientá-los sobre os principais pontos a serem explorados em suas cidades. A descoberta a guiou pela viagem e, quando voltou ao Brasil, ela resolveu aplicá-la em Pelotas, como projeto de Trabalho de Conclusão de Curso.
O resultado agora é entregue nas mãos dos calouros. Há marcações com dicas de lugares para comer e se divertir, desde o café mais famoso até a vendinha que fica aberta até bem tarde. E, além de falar sobre a história da cidade — como a origem da fama doceira e as charqueadas —, dá conselhos preciosos, como deixar que os locais falem mal do município (mas nunca fazer o mesmo) ou ter cuidado com sapatos no fundo do armário porque mofam com a umidade do inverno gaúcho.
Na Capital, novatos têm boas-vindas
Ao chegar a Porto Alegre em 2012, Larissa Vargas Cruz, então com 17 anos, sentiu algumas dificuldades. Vinda de Itaju, no interior paulista, mudou-se para a Capital após ingressar no curso de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto alegre (UFCSPA) pelo Sisu.
— O que ajudou na adaptação é que havia vários estudantes de outros Estados, e tínhamos encontros com tutores da universidade para falar sobre as dificuldades — lembra Larissa, hoje com 20 anos.
O grande número de jovens vindos de outros Estados — que, no primeiro ano do Sisu aumentou cinco vezes na UFCSPA — motivou a instituição a promover atividades de boas-vindas. No encontro “Tchê, aprochega!”, uma roda de chimarrão reúne os recém-chegados no início do ano letivo.
Número de ‘estrangeiros’ cai em Bagé
Em uma linha de ônibus entre o centro de Bagé e o campus da Unipampa, um jovem fala ao telefone com sotaque carioca, uma menina veste camiseta do Corinthians e outra comenta com os colegas que os 19ºC que faziam na cidade naquela terça-feira eram “frio demais para quem vem do Nordeste”. É um microcosmo que reflete, em parte, a realidade da universidade depois de ter implementado o Sisu.
Em Bagé, essa mistura de culturas já foi mais expressiva: se em 2010, no primeiro ano do sistema de ingresso, o percentual de alunos de fora do Estado era de 40% — conforme estimativas da direção do campus —, hoje é de apenas 5%.
O cenário quase não se percebe fora do ambiente universitário. Muito porque os cursos da Unipampa Bagé não têm histórico de atividades que contemplem o público bajeense como um todo.
— Organizamos coisas entre nós mesmos, como jogos de vôlei e rugby — diz o carioca Yuri Chagas, estudante de Engenharia de Energias.
Uma estrutura ainda em construção é apontada como um dos motivos pelos quais os alunos optam por estudar em outras regiões. Sem restaurante universitário, os jovens se veem obrigados a comer em lancherias informais localizadas próximo ao portão de entrada.
— Eles cobram o que querem. Não temos opção — diz Yuri.
*Colaborou Luísa Martins
ZERO HORA
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2014/04/presenca-de-alunos-vindos-de-outros-estados-cresce-em-instituicoes-de-ensino-superior-gauchas-4466922.html